Delaware Review of Latin American Studies
Issues
Vol. 14 No. 1   August 31, 2013


Um Éden hostil: a fauna aquática da América portuguesa e a construção de saberes sobre o mundo natural no século XVI

Christian Fausto Moraes dos Santos
Departmento de História
Universidade Estadual de Maringá
Coordenador, Laboratório de História, Ciências e Ambiente
chrfausto@gmail.com

Gisele Cristina da Conceição*
Membro,Laboratório de Pesquisado em História, Ciências e Ambiente
giselecconceicao@gmail.com

Fabiano Bracht**
Membro, Laboratório de Pesquisado em História, Ciências e Ambiente
fabianobracht@yahoo.com.br



Resumo: A colonização da América Portuguesa (Brasil) foi tema de inúmeras investigações. Contudo, pouco se sabe sobre os processos de reconhecimento, descrição e classificação do novo ambiente daquela  colónia. Praticamente todos os relatos, tratados e cartas que foram escritos por colonizadores ou viajantes que aportaram, durante o século XVI, nos trópicos, contêm descrições de animais e plantas. Antes de implementar engenhos de açúcar ou de iniciar o comércio de pau-brasil, os portugueses tiveram de desenvolver técnicas de sobrevivência e adaptação, tanto ao clima quanto a nova alimentação. Afinal, quando os alimentos dos porões dos navios  acabavam, restava àqueles homens encontrar um meio seguro para se  manterem naquele  novo ambiente.

Palavras-chave: História das Ciências, América portuguesa, Filosofia natural renascentista, História da Alimentação.

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Introdução

Consideráveis obras abordaram os processos  colonizadores, iniciados por Portugal, a partir do século XV (HOLANDA, 2011; FREYRE, 1998; PRADO, 2011). Boa parte destas obras construiu, enquanto eixo norteador, na importância da articulação política, financeira e social para se interpretar a expansão ultramarina portuguesa na busca de novas terras e rotas comerciais. Encontramos ainda discussões sobre as dificuldades  na mudança do Atlântico para a América lusa, bem como uma colonização, por vezes, morosa e indolente (HOLANDA, 2011) dos primeiros colonizadores que se estabeleceram no Novo Mundo. Não tencionamos questionar tais linhas interpretativas, pretendemos, contudo, elencar novas perspectivas sobre o processo de colonização, observando os problemas e desafios enfrentados pelos colonos quando desembarcaram nos trópicos. Obstáculos estes relacionados, principalmente, com uma questão quotidiana essencial: o ato de alimentar-se.

Na América portuguesa quinhentista comer poderia ser tão ou mais trabalhoso do que explorar  o  cobiçado  pau-brasil (Caesalpinea echinata). A alimentação do colonizador europeu no Novo Mundo, bem como a adaptação ao ambiente e topografia da América, ajudou à construção de novos olhares e saberes sobre o mundo natural. O que, consequentemente, contribuiu de maneira considerável à construção de novos paradigmas filosófico-naturais1 (DEBUS, 2002; FEBRER, 2001; ANDERSON, 2004).

No que se refere às questões adaptativas e ambientais, procuramos discutir os aspectos relacionados com o processo de deslocamento e fixação adotado pelos europeus nos primeiros decênios de colonização na América portuguesa, relacionando tais características à busca quotidiana por fontes de proteína e gordura animal2 nas faixas litorâneas (DEAN, 2010). É meritório compreendermos, a partir das fontes documentais produzidas, em grande parte, pelos primeiros exploradores e moradores da colônia, como se deu essa adaptação, não somente no que se refere às questões ambientais, mas também às novas fontes de alimento. Afinal, quando os colonizadores transpuseram os limites do mar europeu, ao adentrarem em águas tropicais, uma nova dieta alimentar  tornou-se necessária.

Apesar da cultura  gastronômica portuguesa, no século XVI, ter nos frutos do mar a composição de boa parte do seu cardápio (SOBRAL, 2007; ARRUDA et al, 2011), as espécies  endêmicas dos ambientes aquáticos da América portuguesa eram outras. Moluscos como as ameijoas (Ruditapes decussatus), capturadas no litoral do Algarve poderiam ser, em um primeiro momento, parecidas com as leriuçu (Ostreidae), encontradas na capitania da Bahia. Entretanto, diferenças foram notadas e, para além do paladar, textura e forma distintos, uma natureza única foi-se desdobrando em cada relato e descrição das novas fontes de alimento encontradas nos charcos, rios,  mangues, enseadas, baías,  restingas, praias e baixios do Novo Mundo.

A descoberta do Novo Mundo: novos alimentos e novas perspectivas filosófico-naturais.

A expansão ultramarina, iniciada pela coroa portuguesa no século XV, deixou uma extensa fonte de documentos que, em muito, podem  ajudar ao entendimento do processo de colonização desencadeado no Novo Mundo. Referimo-nos às profusas e detalhadas descrições de animais feitas por, Azpilcueta Navarro (1988), Gabriel Soares de Sousa (1961), André Thevet (1978), Ulisses Aldrovandi (século XVI), Hans Staden (1999), Charles L’Ecluse (1605), López Medel (2007), Jean de Léry (1961), Pero de Magalhães Gandavo (1963), Garcia da Orta (1895), José de Anchieta (1988), Fernão Cardim (1980), Adriaen Cornelissen van der Donck (1655), Gabriel Meurier (1557) e John White (1585).

No Tratado Descritivo do Brasil (1587), do senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, podemos observar um cuidado em descrever os seres encontrados no Novo Mundo, assim como a atenção na perceção de semelhanças entre os animais endêmicos e os oriundos do Velho Mundo. Este foi, o principal meio pelo qual os colonizadores tentaram compreender, descrever e classificar o novo ambiente. A motivação para tal exercício era multifatorial e, via de regra, seguida de dúvidas que poderiam nortear boa parte da descrição de um animal encontrado na América portuguesa. Afinal, qual mexilhão poderia ser venenoso? Que peixe poderia ser pescado mais facilmente? Qual o tamanho e cor dos ouriços das praias da  colônia? As conchas das ostras poderiam ter alguma utilidade? Estas eram, certamente, apenas algumas  das questões colocadas por homens como Gabriel Soares, ao deterem-se na observação dos comportamentos, formas, habitats e mesmo o gosto das espécies aquáticas oriundas do Novo Mundo. Este  trabalho, em muitos aspectos aproximava-se daquele exercido pelos filósofos naturais europeus, principalmente na adoção das figuras de linguagem das similitudes enquanto grande eixo norteador descritivo e classificatório. Ao descrever o corpulento peixe Cunapu, por exemplo, Gabriel Soares de Sousa utiliza, como primeiro recurso, a construção de uma simpatia entre a espécie encontrada nos litorais da colônia e a endêmica dos mares portugueses que mais se assemelhasse a esta. Para ele, “Cunapu […] são uns peixes a que chamam em Portugal meros [...]” (SOUSA, 1971, grifos nossos).

Descrições como a de Sousa (1587), permitem-nos observar o pensamento  de um colonizador metódico, atento e que atribui um valor a constituintes da natureza como moluscos, peixes e crustáceos. Afinal, era preciso apreender e construir todo saber possível e necessário para viabilizar a fixação na nova colônia, uma vez que, diante da rica e desconhecida biodiversidade da floresta tropical, o simples ato de se alimentar poderia ser consideravelmente trabalhoso e complexo.

O contexto  no qual as descrições feitas por estes colonizadores foram produzidas, não pode ser compreendido sem um exame, ainda que breve, do universo que constituiu o Império português quinhentista. Podemos descrever o processo de expansão luso, do ponto de vista logístico e geográfico, como um sistema marítimo que criou uma rede comercial entre diversos portos e pequenos povoados (SCHWARTZ, 2010). A grande extensão do Império fez com que este fosse composto por áreas extremamente diversas do ponto de vista climático e biogeográfico, o que implicava múltiplos processos de adaptação não só por parte dos colonizadores, mas também dos animais e plantas europeus que os acompanhavam em suas naus. A América portuguesa pode ser considerada, portanto, como um destes lugares onde a coroa estabeleceu seus domínios. Desenvolvendo um conjunto de rotas comerciais e também uma colônia com vasto controle territorial (SCHWARTZ, 2010).

Os desafios em suplantar as condições impostas pelos domínios morfoclimáticos tropicais foram elementos relevantes no desenvolvimento da colonização portuguesa da América (GUERREIRO, 1999). Não podemos deixar de elencar a especificidade de algumas dificuldades encontradas pelos primeiros colonos europeus durante o processo de adaptação ao clima tropical úmido. Clima este que, não raras vezes, se mostrou um fator  adverso ao estabelecimento de comunidades neoeuropeias permanentes (CROSBY, 1993). Isso incluiu, em grande medida, os animais e plantas que foram trazidos nas embarcações para o Novo Mundo, numa tentativa de introduzir e adaptar espécies europeias nas colônias, tais como porcos, cavalos e gado (MARIANTE; CAVALCANTE, 2006, p. 31-41). Estes animais, essenciais para o estabelecimento das colônias europeias, enfrentaram inúmeras dificuldades iniciais, levando, em boa parte dos casos, um tempo considerável para  se adaptarem às novas condições, tanto no que se refere às pastagens, ao clima e aos novos parasitas (CROSBY, 1993; DIAMOND, 2008).  Enquanto constituintes de um processo consideravelmente complexo, principalmente quando analisamos, em detalhe, as condições de sobrevivência e estabelecimento dos europeus na América portuguesa, nos primeiros decênios do século XV, estes fatores devem ter sido tidos em conta.

Quando investigamos a introdução destes animais no Novo Mundo, e mesmo a adaptação dos próprios colonizadores, a partir de uma abordagem que contemple os elementos biogeográficos, temos de considerar que tais fatores são relevantes no estudo de processos colonizadores (DIAMOND, 2008; CROSBY, 1993, p. 150, ANDERSON, 2004), uma vez que a simples transferência de espécies de animais domésticos, de uma determinada biota para outra, pode não ocorrer com tanta facilidade. A floresta tropical, com toda sua diversidade, não apenas referente às plantas e animais, mas principalmente a variação de fenômenos climáticos, como chuvas torrenciais, mostrou-se, para o homem quinhentista, enquanto ambiente alienígena, onde o simples fato de se alimentar, por vezes, deixou de ser trivial. Mesmo o ato de encontrar água na floresta tropical poderia ser, ironicamente, tão árduo quanto num deserto (DEAN, 2010, p. 29).

As primeiras impressões destes colonizadores acerca da América portuguesa foram de que “[...] naquela terra onde se platando tudo se dá [...]” (CASTRO, 1985), ou seja, qualquer tipo de planta e animal exótico se adaptaria e reproduziria com facilidade. Esta descrição da nova terra, feita por Caminha, concebendo a ideia de um “paraíso terrestre”, pode ser considerada como de origem estética, pois parece, à primeira vista, um julgamento feito a partir das qualidades visuais, por alguém que não teve contato, em detalhe, com aquele ambiente (TUAN, 1980, p. 74-75). O que os europeus, ao desembarcarem na América portuguesa descobriram, tempos depois, é que além das belas aves multicoloridas descritas por Caminha, a natureza da nova colônia também era pródiga em fungos,  bolores, dípteros e coleópteros, que ensinaram aos novos habitantes lições sobre conservação de alimentos que podiam custar desde a perda de peso do indivíduo até uma sérias de crises  hipoglicêmicas.

Apesar de homens como Fernão Cardim (1549-1625) e Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) descreverem uma terra não tão edênica quanto aquela encontrada por Caminha, o critério de análise e descrição, referente ao ambiente do Novo Mundo era, em grande parte, baseado numa exaltação da fauna e flora que,  num primeiro momento, muito se aproximava de um ideal divino. Ideal este característico de uma conceção de paraíso conhecida pelo europeu desde a Idade Média (DELUMEAU, 2003, p. 135-147). Portanto, a relação da natureza da América portuguesa com o éden bíblico foi, num primeiro contato, uma espécie de reconhecimento3 (TUAN, 1980, p. 74-75). Virtudes como beleza, riqueza e fertilidade puderam inspirar as descrições encontradas naquela carta redigida numa sexta-feira, primeiro de maio de 1500 (CASTRO, 1985).

Ao   deparar-se com um ambiente notável, Caminha pôde afirmar ser a nova colônia um paraíso na terra. Ali, a diversidade de animais e plantas era visivelmente exuberante, além de se encaixar no paradigma filosófico natural daquele momento, que concebia a possibilidade do paraíso ser geograficamente localizado (DELUMEAU, 2003). Obviamente, a perspetiva edémica construída naqueles primeiros relatos, que constatavam tantas maravilhas sobre a terra recém-descoberta, também deram contribuição ao sofisticado processo de reconhecimento e descrição do ambiente tropical no século XVI. Ora, a própria idealização de paraíso dos primeiros colonizadores, quando utilizada para descrever a fauna e flora do Novo Mundo, aponta-nos o quanto estes apreenderam a biodiversidade que se colocava perante eles.

Por fim, Caminha não se equivocou ao afirmar que a Terra de Santa Cruz era fértil e exuberante. O que ele não teve foi tempo para constatar as dificuldades em encontrar água potável na floresta tropical, as implicações técnicas e logísticas em introduzir plantas e animais oriundos da Europa, bem como o próprio ato de se habituar a uma nova dieta alimentar. Algo que seus conterrâneos do Velho Mundo em breve descobririam.

Estes desbravadores europeus, de maneira geral, foram dissuadidos a rever seus conceitos filosófico-naturais para compreender o ambiente que se apresentava perante eles quando aportaram no Novo Mundo.  Em relação aos princípios utilizados para se apreender o mundo natural neste período estes advinham, em boa parte, dos ensinamentos religiosos contidos na “Palavra Sagrada” ou Sagrada Escritura (GIUCCI, 1992; DELEMEAU, 2003). A questão colocada, a partir da chegada das primeiras naus, era a de como os saberes que permeavam o entendimento da natureza, sobretudo aqueles encontrados nos paradigmas de Babel e Noé (SANTOS; NETO, 2011; PAPAVERO, LLORESNTE-BOUSQUETS, 1997), poderiam explicar a existência daqueles seres humanos, animais e plantas que se encontravam  num Novo Mundo, um continente aparentemente isolado e que não era descrito no sagrado livro cristão.

Na perceção desses indivíduos, encontraremos ainda uma filosofia natural renascentista que se baseava, em grande parte, nos princípios platônico-aristotélicos (DEBUS, 2002). Os trópicos eram considerados, ainda no século XVI, como regiões em que havia um equilíbrio entre a duração do dia e da noite; seriam locais virtuosos e, de certa forma, como já abordamos, aparentados com o paraíso terrestre descrito no livro do Gênesis. O erudito espanhol Tomás López Medel (1520-1583), ao discorrer sobre a gradação climática das Índias Ocidentais, a partir de sua posição em relação aos trópicos e à linha do Equador, escreveu que a “zona tórrida” não era apenas habitável, mas:

[...] também que fosse de mais benigno e conveniente clima pela perpétua igualdade do dia com a noite, dizendo que onde o sol e a sombra, o calor e o frescor igualmente e por igual espaço de tempo iluminavam a terra e a aqueciam e refrescavam, só podia ser um tão admirável clima que deveria exceder aos outros; da mesma opinião foi Aristóteles e outros de seu tempo que o seguiram. Foi tão bem aceita essa opinião que muitos de nossos teólogos, fundamentados nessa razão, dão como certo que aquele ameno pomar e lugar do paraíso terrestre esteja debaixo do equinócio [...] (MEDEL, 2007, p. 26).

A visão da América enquanto um paraíso terrestre, descrita por Caminha na carta a el Rey D. Manuel sobre  a descoberta do Brasil, estava inserida na estrutura geral do paradigma da Filosofia Natural vigente no Renascimento. Tal entendimento procurava explicar o mundo natural englobando todos os aspectos possíveis, fossem relativos ao habitat, fisiologia, utilidade ou hábitos. Eruditos como Conrad Gesner (1516-1551), Ulisses Aldrovandi (1522-1605) e Pierre Belon (1517–1564), valiam-se destes paradigmas para classificar animais e plantas na Europa quinhentista (DEBUS, 2002), assim como os viajantes e cronistas no momento de descrever e classificar as espécies da fauna e flora do Novo Mundo.

 Ainda quanto à idealização edênica relatada por Caminha (CORRÊA, 2006, p. 73; CARVALHO, 1992, p. 61.), os colonizadores quinhentistas logo perceberam que aquele Éden não correspondia aos cânones europeus de um jardim. Ao entrarem  nas matas que margeavam as praias daquela  colônia portuguesa na América, os europeus não tardaram a rever a descrição constante na carta a el Rey D. Manuel sobre o descobrimento do Brasil. Estes logo perceberam que o processo de estabelecimento naquele ambiente se revelaria uma empreitada consideravelmente laboriosa, pois havia uma série de fatores que eruditos, como Medel, não haviam descrito, fossem eles relacionados  com o clima, diversidade faunística ou geografia dos trópicos.

Quando analisamos relatos de viajantes que aportaram nas “terras dos brasis”, como o do frade francês André Thevet (1502-1590) que, em 1557 descreveu, com entusiasmo, um peixe chamado pelos indígenas de caraoatá, e que ele denominou de Albacora, fica claro que as dificuldades se apresentaram rapidamente, pois, “[...] outro peixe dessas águas a que chamam albacora. [...] Sua carne é ótima [...] O difícil é  pescá-la. [...]” (THÉVET, 1978, p. 222-223). De fato, o peixe designado pelos indígenas como caraoatá, e que Thevet identificou como albacora, é saboroso, mas fugidio. Thevet, apesar de ter, provavelmente, confundido o caraoatá com uma espécie de atum conhecida até hoje, como albacora (Thunus alalunga),  chamou-lhe a atenção para   a dificuldade  em capturar este peixe, ou seja, é um peixe que resiste muito a ser  pescado, o que faz com que o mesmo apresente muito interesse para a pesca desportiva

Entretanto, não podemos censurar Thevet pela confusão inicial, pois o peixe por ele descrito trata-se, certamente, do Coryphaena equiselis, um peixe da família Coryphaenidae que, apesar de ser chamado popularmente de dourada ou delfim, adquire uma coloração verde-acinzentada depois de ser retirado da água. Esta mudança de cor post-mortem, associada a uma anatomia composta por um pedúnculo caudal bastante estreito, cauda dividia em dois ramos compridos abertos e em forma de meia-lua, além do corpo ligeiramente fusiforme, fez com que não fosse muito difícil, para o frade francês, confundir a dourada com boa parte dos membros da família do atum (SZPILMAN, 2000, p. 183).

Quando Thevet descreveu o peixe albacora como tendo um ótimo sabor, porém, sendo de pesca trabalhosa, ele  deu-nos uma preciosa indicação das dificuldades rotineiras enfrentadas pelos colonizadores quinhentistas. Outro dado, presente neste fragmento de descrição, é aquele que nos leva a refletir que estes primeiros colonizadores também se dedicavam  nos seus relatos, crônicas e tratados, a inventariar informações que consideravam, no mínimo, importantes. Tal fato  permite-nos interpretar as descrições de animais, não somente como uma busca pela ordem, mas também enquanto reunião de informações que pudessem garantir a sobrevivência.

O fato de Thevet relatar o método para capturar tal espécie de vertebrado aquático, denota a importância, para aqueles homens, de compreender todo o universo que circundava o animal que poderia ser tomado como fonte de proteína e gordura, deixando registrado os  aspetos relativos às espécies que estavam sendo observadas e descritas.

 Assim, aquilo que, em um primeiro momento gerou deslumbramento, pouco tempo depois tornou-se uma questão, um problema filosófico-natural a ser resolvido. Até ao advento das descobertas ultramarinas, o homem europeu entendia que não poderia haver comunidades humanas nas várias regiões do além-mar, e que o oceano da zona tórrida era inavegável (GIUCCI, 1992, p. 194; PENEGASSI, 2008, p. 57). Os primeiros cronistas, viajantes e jesuítas a aportarem na América portuguesa conjugavam,  nas suas descrições do mundo natural dos trópicos, o deslumbramento pela biodiversidade presente naquele ambiente, ao mesmo tempo em que buscavam, através de tais descrições, sustentar um modelo explicativo fundamentado nas verdades bíblicas. A tarefa nunca foi fácil e, a cada novo relato e descrição de araras, saguis ou caranguejos terrestres encontrados nas matas e praias do Novo Mundo, o espaço no paradigma da arca de Noé ficava cada vez menor (SANTOS, NETO, 2011). Afinal, como fazer valer a verdade bíblica de que todos os animais existentes na terra teriam sido salvos naquela embarcação construída a mando de Deus, quando a diversidade de animais encontrados, em alguns quilômetros quadrados de Mata Atlântica, superava a de países inteiros da Europa? (CARNEIRO; VALERIANO, 2003)

Esta crise que, anos depois, começou a ameaçar a navegabilidade da arca de Noé gerou, em grande parte, a partir da tentativa em se compreender os constituintes de uma natureza nova a partir de velhos paradigmas filosófico-naturais. Tal tarefa foi tomada, como já observamos, por homens com as mais diversas formações. Os motivos para tamanha diligência poderiam ser vários, entretanto, dois deles podem auxiliar-nos a compreender porque jesuítas, senhores do engenho e exploradores comungavam da ideia que investir parte do seu tempo descrevendo a forma, comportamento ou gosto de um ouriço-do-mar ou mexilhão poderia ser algo importante. O primeiro pode ser identificado na intolerância humana à ausência de ordem. Como preocupação que tem lugar em todas as épocas, a classificação do mundo natural é uma característica incondicional humana. Classificar, descrever e estabelecer agrupamentos para os seres, cujas sensações são equiparadas, pode ser identificado enquanto um desejo universal presente em todos os povos, “primitivos” ou não, em conhecer seu meio biológico (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 15-49).

O segundo motivo, igualmente importante, estaria intimamente ligado ao primeiro. Ele pode ser encontrado na própria maneira como se descrevia, classificava, enfim, como se fazia a história (natural) de um animal no século XVI. Neste período, para se lidar com o mundo natural era preciso, numa única e mesma forma de saber, recolher tudo o que fora contado pela natureza e pelos homens, pelas tradições, pelos contos e cantos acerca daquela espécie em questão. Conhecer um animal ou uma planta era especular e recolher todo e qualquer sinal que sobre eles repousasse. A dissociação que hoje fazemos entre mito, ciência e literatura, era algo inconcebível àquela época (FOUCAULT, 2000, p. 56-57). Neste inventário, entre o tamanho dos dentes e a cor das escamas, outras informações de suma importância para o quotidiano dos colonizadores eram recolhidas. Estas diziam respeito ao rotineiro e imprescindível hábito de se alimentar. Portanto, os motivos que levavam ao cuidado, atenção e minúcia em descrever animais em plena América portuguesa quinhentista eram consideravelmente plausíveis.

Os portugueses conseguiram relativo sucesso na extração de muitas riquezas (minerais, animais e vegetais) da colônia americana, porém, não lograram estabelecer, logo de início, grandes agrupamentos populacionais. Tão pouco, conseguiram, de imediato, transformar as colônias de além-mar em extensões literais das comunidades europeias. Obviamente, questões culturais foram levantadas   em algumas importantes interpretações da dinâmica colonizadora adotada pelo português. Uma das mais emblemáticas na historiografia brasileira afirma, por exemplo, que a colonização da América portuguesa não se deu enquanto processo metódico e racional. Na verdade, desleixo e abandono teriam dado o tom do processo empreendido pelo português do século XVI (HOLANDA, 2011, p. 43). Ora, não seria o recorrente hábito de descrever os seres vivos do Novo Mundo, adotado pela maioria dos colonizadores que escreveram crônicas, tratados e cartas, parte de um comportamento minimamente metódico4? Não houve racionalidade em nomear, descrever e colocar, lado a lado, as diferentes espécies de caranguejos, mariscos, ostras, mamíferos marinhos e peixes? O senhor  do engenho Gabriel Soares de Sousa, por exemplo, dedicou 113 dos 196 capítulos de seu Tratado Descritivo do Brasil à descrição da fauna e flora da América portuguesa (SOUSA, 1971, p. 260).

Entretanto, nosso propósito não seria o de invalidar tais perspetivas, mas sim evidenciar que as constantes observações feitas por estes homens,  em relação àquele novo ambiente, podem  ajudar-nos a identificar um colonizador mais criterioso e diligente. E, se formos além daquela vontade intrínseca em organizar e classificar a natureza dos trópicos, podemos mesmo afirmar que tais colonizadores consideravam a construção do conhecimento gerado a partir da observação do mundo natural,  como uma atividade tão importante quanto a relacionada  com a extração de pau-brasil, por exemplo. O que não nos nega a possibilidade de também interpretarmos tal comportamento como característico de um empreendedorismo  colonizador. Imaginemos o quão sofisticada poderia ser uma expansão ultramarina que não desprezava o importante ato de inventariar até mesmo aquelas espécies marinhas que não eram necessariamente comestíveis. Como no caso dos cnidários (classe Asteroidea), descritos por Gabriel Soares de Sousa, os quais “[...] lança este mar fora, muitas vezes, com tormenta umas estrelas da mesma feição e tamanho das que lança o mar da Espanha, as quais não servem para nada, a que os índios chamam “jaci” (SOUSA, 1971, p. 294). Esta descrição demonstra que todo e qualquer componente do mundo natural tropical, estava sob a observação minuciosa dos colonizadores.

 Temos de considerar, como igualmente importantes, as questões ambientais e climáticas que exigiram processos de reconhecimento, investigação e adaptação dos portugueses nos primeiros anos de colonização na América. De fato, quando elencamos tais fatores, a perspectiva de se considerar tais homens como indolentes, ou mesmo displicentes poderia ser, no mínimo, arriscada.

A premência do desafio em se adaptarem a um Novo Mundo, assim como a criação de condições para que a colonização fosse possível, permite-nos identificar um esforço diligente e organizado. Esforço que pode ser observado, por exemplo, nos padres da Companhia de Jesus ao promoverem, durante os séculos XVI e XVII, inúmeras tentativas de aclimatação, no Novo Mundo, de plantas e animais trazidos da Europa (SAYRE, 2007, p. 18-19; ASSUNÇÃO, 2011).

Isso ocorreu, em parte, devido à dificuldade inicial na adaptação de alguns animais e plantas trazidos da Europa. Afinal, animais domésticos e plantas cultivadas podem levar algum tempo para se adaptarem a novos regimes alimentares, bem como a diferentes ciclos solares e hidrológicos (CROSBY, 1993; GRIFFITHS, 1997, p. 1-18.). Tal fato redundou em uma grande dificuldade, ao menos inicial, no que se refere à alimentação humana. Mesmo com a diversidade de animais e plantas disponíveis no Novo Mundo, a obtenção de alimentos podia despender um intenso gasto calórico por parte dos colonizadores, uma vez que seus conhecimentos técnicos sobre caça e pesca não se aplicavam, de imediato, à predação e processamento dos animais da biota americana.

Tais fatores levam-nos a considerar que uma das primeiras dificuldades com as quais os europeus se defrontaram, quando aportaram na América portuguesa, foi a de suprir a necessidade diária de proteína e gordura animal, imprescindível à subsistência. De fato, obter alimento, pode ser uma tarefa complexa e, por vezes, dispendiosa do ponto de vista energético. Mesmo o recurso tecnológico das armas de fogo, trazidas da Europa pelos colonizadores, estava em desvantagem, do ponto de vista estratégico, quando comparado com as ferramentas e armas indígenas, adaptadas para a caça e pesca naquele ambiente. Havia também o fator climático, que poderia comprometer o bom funcionamento de armas de fogo, pois, a alta umidade, não raras vezes, danificava o poder de combustão da pólvora (HOLANDA, 2011, p. 62). Outro fator importante encontrava-se na própria tecnologia bélica empregada pelos colonizadores. O mosquete, uma das armas de fogo mais difundidas no século XVI, além de pesar até 10 quilos, possuía um sistema de mira que, até o século XIX, tinha pouco alcance (STANEGE, 2002; ELTIS, 1995). 

Quanto às reservas proteicas existentes na América portuguesa, principalmente as capturadas, caçadas ou pescadas pelos colonizadores no ambiente da mata Atlântica, temos de nos lembrar que, a despeito do senso comum, a diversidade faunística de florestas tropicais não se traduz em abundância (ODUM, 2004, p. 57-64). Fatores ambientais intrínsecos a uma floresta tropical, com a grande multiplicidade de espécies, por vezes, são interpretados de forma distorcida, ou seja, como se a floresta fosse um grande depósito de proteína, gordura e carboidrato. Apesar deste sofisma ecológico, a realidade apresentada aos caçadores europeus do século XVI era que, dificilmente, manadas de antas (Tapirus terrestris) ou cutias (Dasyprocta fuliginosa) seriam facilmente encontradas. Mesmo porque antas são animais solitários (REIS, 2010, p. 494), enquanto cutias possuem hábitos diurnos, mas, em ambientes perturbados, podem apresentar atividades noturnas (REIS, 2010, p. 294).

Entre os animais identificados como comestíveis ou venenosos, havia aqueles que ficavam a meio caminho de ambos. O bizarro baiacu (ordem tetraodontiforme) era um deles. Sua carne poderia tanto saciar a fome quanto levar a morte. A sutil e dramática diferença estava em uma técnica de esfola dominada com destreza pelos indígenas:

[...] Baiacu é um peixe que quer dizer "sapo", da mesma cor e feição, e muito peçonhento, mormente a pele, os fígados e o fel, ao qual os índios com fome esfolam, e tiram-lhe o peçonhento fora, e comem-nos; mas se lhes derrama o fel, ou lhes fica alguma pele, incha quem o come até rebentar; com os quais peixes assados os índios matam os ratos, os quais andam sempre no fundo da água[...] (SOUSA, 1971, p. 265, grifos nossos).

A eficiência da peçonha do Baiacu, associada ao domínio técnico dos indígenas, permitia que a mesma fosse utilizada até mesmo como rodenticida na zona de pesca. Gabriel Soares de Sousa também se preocupa em relatar o quanto um comensal desavisado poderia ficar parecido com um baiacu, caso o mesmo não fosse devidamente preparado. O senhor do engenho fez um relato condescendente. Dificilmente a ingestão da tetrodotoxina, substancia secretada pelas glândulas do baiacu, não leva a morte (NET et al, 2010).

O peixe que inchava tanto quanto suas vítimas atraiu muita atenção no século XVI. Além de Gabriel Soares (SOUSA, 1971, p.265), Pero de Magalhães Gandavo (GANDAVO, 1963, p. 50) e Fernão Cardim (CARDIM, 1980, p. 56) também se preocuparam em registar a traiçoeira anatomia do baiacu.

[...] Alguns índios da terra se aventuraram a comê-los depois que lhe tiram a pele e lhe lançam fora por baixo toda aquela parte onde dizem que tem a força da peçonha. Mas sem embargo disso, não deixam de morrer algumas vezes. Estes peixes tanto que saem fora da água incham de maneira, que parecem uma bexiga cheia de vento; e além de terem esta qualidade são tão mansos que os podem tomar as mãos sem nenhum trabalho; e muitas vezes andam a borda da água tão quietos, que não os verá pessoa que se não convide a tomá-los, e ainda a come-los se não tiver conhecimento deles [...] (GANDAVO, 1963, p. 50, grifos nossos).

A exemplo dos reverenciados preparadores de sushi japoneses5 que praticam, por anos, a retirada das glândulas mortais do baiacu antes de servi-lo, os habilidosos indígenas também eram passíveis de erro. A abundância de diferentes espécies de peixes, nem sempre significava que havia garantia de uma refeição suculenta e segura. 

No ano de 1555, um peixe de aparência agressiva também chamou a atenção do jesuíta Azpilcueta Navarro.  Em uma daquelas situações que, nos primeiros anos da colonização, se tornaram recorrentes, o jesuíta deparou-se com uma espécie animal desconhecida. Para descrever aquele bicho sinistro, que tinha mais dentes do que a boca parecia comportar, Navarro recorreu àquilo que, para ele, fosse mais simpático, a aparência e comportamento do peixe.  Enfim, o dito peixe parecia cortar “um anzol com os dentes como com uma navalha” (NAVARRO, 1988, p. 175, grifo nosso). Os poderosos dentes da Piray remeteram o jesuíta para um dos principais objetos cortantes presentes no seu quotidiano e, deste modo, a simpatia entre a navalha e os dentes da Piray, estabeleceram-se. O senhor do engenho Gabriel Soares de Sousa é mais direto: “Piranha quer dizer ‘tesoura’ [...].” (SOUSA, 1971, p. 296) e, a despeito das qualidades culinárias da piranha elencadas por Sousa: “[...] este peixe é muito gordo e gostoso [...]” (SOUSA, 1971, p. 296) a piranha, para ele, merecia tal analogia não somente pelo fato de destruir apetrechos de pesca, como descreve Navarro. Para Gabriel Soares, o maior perigo oferecido pelas espécies da Família Characidae, hoje conhecidas como piranhas, estaria noutras coisas que ela poderia cortar além de anzóis, pois os:

“[...] índios não se atrevem a meter na água onde há este peixe, porque remete a eles muito e morde-os cruelmente; se lhes alcançam os genitais, levam-lhos cerce, e o mesmo faz à caça que atravessa os rios onde este peixe anda” (SOUSA, 1971, p. 296).

Aos olhos daqueles colonizadores, as mordidas da piranha foram mais que convincentes para a analogia entre tesouras, navalhas e dentes pontiagudos se estabelecerem enquanto grande eixo norteador da descrição destas bestas aquáticas.

A meticulosidade é outro aspeto importante nas descrições do baiacu e da piranha. Diante de obstáculos para obtenção de alimentos e, ao considerar como possibilidade alimentar, peixes que podem causar a morte ou sérios ferimentos, o colonizador demonstrava considerável esforço expansionista.  Esse empreendimento dependia da capacidade daqueles homens em aprender e ou desenvolver técnicas que garantissem uma fonte regular de proteínas e gordura. Mesmo que, para isso, se corresse o risco de morrer antes de terminar a refeição. Em grande medida, a aposta em tais técnicas, só foi possível graças às trocas culturais, em uma via de mão dupla, entre os povos nativos dos trópicos e o europeu (BURKE, 2006).

Não foram poucas as variáveis culturais, ambientais, geográficas e climáticas que os primeiros europeus tiveram de reconhecer. E, certamente, foi através da descrição e classificação do mundo natural que estes analisaram e ponderaram possibilidades, recursos e alternativas que promovessem um processo de adaptação e desenvolvimento de novas técnicas na obtenção e conservação de alimentos disponíveis na nova biota. Obstáculos como estes, relacionados a uma busca diária por alimentos, além do estabelecimento em um novo ambiente, também foram constatados por J. H. Elliott, historiador inglês que analisou os processos de fixação de colonizadores espanhóis e ingleses no Novo Mundo. Elliott averiguou que dificuldades ligadas à obtenção de alimentos e adaptação a novos ambientes e climas, também ocorreram entre aqueles colonos, sendo que tais fatores, muitas vezes, poderiam oferecer maiores riscos que as flechas dos indígenas (ELLIOTT, 2006, p. 49).

Manter o processo de colonização exclusivamente por meio de alimentos trazidos da Europa não era viável por vários motivos, principalmente tendo em conta  o custo e implicações técnicas de tal logística. Questões como o tempo de transporte e os problemas relativos à conservação dos alimentos tornavam essa estratégia complexa e pouco eficiente (GUERREIRO, 1999, p. 149-157). A logística para transportar e conservar alimentos nos porões das naus era uma tarefa complexa e laboriosa. Uma vez que mesmo tendo capacidade para transportar, em média, entre “cem a duzentos tonéis” - cada tonel correspondia a um volume de cerca de 840 litros, podendo variar de acordo com o conteúdo correspondente de cada tonel (LOPES, 2003, p. 113-164), as dificuldades na acomodação de alimentos e água nas naus era grande (BOXER, 2002), afinal o número total da tripulação também era consideravelmente elevado, em média cerca de 100 a 120 tripulantes, mais 300 a 400 soldados e um número expressivo de passageiros que podia chegar a 300 por nau (BARRETO, 1989).

A água potável, por exemplo, sempre foi um problema durante as grandes navegações, uma vez que, após as primeiras semanas, a água deixava de ser própria para consumo e adquiria mau cheiro. Os alimentos frescos não resistiam (BARRETO, 1989, p. 23) e, após algum tempo no mar, sobravam apenas aqueles em estado de conservas, salgados, além dos assados como o pão. Este, por sua vez, perdia a boa aparência ao fim das primeiras semanas (MACHADO, 1999). A falta de alimentos frescos, como frutas, verduras e legumes causava à tripulação, no decurso do tempo, a doença conhecida como escorbuto (do latim scorbutus)6, denominada pelos marinheiros portugueses por “doença dos beiços inchados”. Como agravante, havia ainda uma gama de obstáculos impedindo que o transporte para a América portuguesa fosse efetuado com certa frequência, pois o número de embarcações em Portugal, apesar de elevado7 quando comparado com o território luso e sua população, não era suficiente para o apoio logístico a uma rota comercial com ramificações por todo o mundo (BOXER, 2002). Esse fator pode ter contribuído para o alto custo das viagens ultramarinas, fazendo com que o conhecimento necessário para exploração dos recursos alimentares, presentes no território colonial, tivesse de se desenvolver rapidamente.

A busca por alimentos que pudessem amenizar os sofrimentos das tripulações, durante as travessias atlânticas, fez com que uma grande variedade de elementos fosse incorporada à dieta dos mareantes. Sabe-se, a partir da análise das fontes documentais que descrevem os carregamentos das naus, que os “pimentos8, originários do Novo Mundo, eram utilizados como alimento na busca por fontes de vitamina “C”, pois estes podiam amenizar a presença de escorbuto entre os marinheiros (SANTOS; BRACHT, 2011, p. 70 – 74). Isso significa que havia, naquele momento, certa disseminação de elementos nativos da América para outras partes da Europa. Assim, se as viagens em si apresentavam muitas dificuldades no transporte e conservação de alimentos, o mesmo conceito pode estender-se com relevantes agravantes à obtenção, por parte dos colonizadores, de alimentos vindos da Europa. De fato, remessas de vinho do Porto, pastéis de nata e presunto ibérico não faziam parte dos incentivos da Metrópole oferecidos aos que aceitassem empreender a colonização do Novo Mundo em nome da coroa portuguesa.

 Em meados do século XVI, por obra dos esforços expansionistas de Portugueses e Espanhóis (COSTA, 1980), o Novo Mundo havia-se configurado num conjunto de colônias portuguesas e espanholas.  Esse empreendimento marítimo encontrou, à sua frente, consideráveis dificuldades físicas e técnicas. Tais obstáculos, fossem eles geográficos ou ambientais, não podiam, na maioria das vezes, ser contornados ou simplesmente ignorados.

Considerações finais

Como afirmado, durante muito tempo, as dificuldades da colonização foram, em grande parte, compreendidas como sendo apenas de origem cultural. O europeu ibérico, sobretudo o luso, figurava-se como portador de uma adaptabilidade que se acomodava a vários ambientes e a inúmeras situações. Logo após chegar à nova terra, o colonizador ajustava-se de maneira relativamente rápida aos novos ambientes, passando a apreciar os novos alimentos e adaptar-se  ao novo clima. Tais fatores contribuíram  para a construção do perfil de um colonizador itinerante, pouco afeito à ideia de uma colonização metódica.

Contudo, apesar das afirmativas presentes na historiografia em questão, boa parte dos desafios com os quais os colonizadores portugueses se depararam, diziam respeito à identificação, naquele Novo Mundo, de elementos que possibilitassem a adaptação e transposição das condições materiais, agrícolas e culturais vividas na Europa (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 2009, p. 17-18). O objetivo era construir, na colônia, boa parte dos aspectos da vida que eram encontrados na metrópole.

Alguns problemas de primeira ordem certamente ocuparam o quotidiano dos viajantes que aportavam, ainda no século XVI, nas praias que limitavam a densa Mata Atlântica. A empreitada portuguesa em terras tropicais americanas, de fato, apresentou uma série de dificuldades que iam muito além dos fatores comerciais. O ato de se alimentar, primordial à sobrevivência humana, tornara-se, naquela terra incógnita, um imperativo. Associado ao considerável gasto calórico imposto àqueles homens, havia a questão de que o alimento trazido da Europa estava, na maioria dos casos, esgotando-se ou não tinha condições de ser consumido. É bom lembrar que o clima nos trópicos em muito influencia a conservação dos alimentos, afinal os mesmos, não resistiam por muito tempo ao calor excessivo e alta umidade (BERKEL; BOOGAARD; HEIJNEN, 2005, p. 8), aliado a isso, ainda podemos ressaltar a dificuldade inicial em se obterem alimentos.

Contudo, a introdução e criação de animais domésticos exóticos (oriundos do Velho Mundo) foi um processo que demandou considerável tempo, tanto por conta das espécies predadoras encontradas na América Portuguesa, como morcegos hematófagos, grandes felinos e ectoparasitos hematófagos (percevejos, pulgas e carrapatos) (CROSBY, 1993). Na própria adaptação dos animais domésticos exóticos foi importante o fator, por vezes limitador, da diversidade geográfica e climática, pois, no Brasil, observamos pelo menos sete diferentes domínios morfo-climáticos, a saber, Amazônico, Cerrado, Mares de morros, Caatinga, Araucária, Pradarias e Faixas de transição (VESENTINI, 2005). Ou seja, para cada domínio, os animais introduzidos pelo colonizador, durante o processo de expansão,   sua resistência era testada. O que, não raramente, implicava um atrazo no desenvolvimento e manutenção  de uma fonte de proteína que, em teoria, deveria estar sempre à disposição.

Diante da dificuldade de adaptação imediata sofrida pela maioria dos animais domésticos introduzidos no Novo Mundo, o mais urgente passou a ser, então, aprender e apreender, de maneira rápida e eficiente, a utilizar todo o conhecimento, então existente sobre o mundo natural do inexplorado Novo Mundo. Um trabalho árduo, constante e pragmático foi desenvolvido no sentido de obter toda a informação disponível acerca daquele ecossistema inóspito. Nesta busca por meios para obter alimento, destacou-se o papel dos indígenas, pois a observação das suas técnicas de caça, pesca e recolha foi essencial para os exploradores no que se refere à possibilidade de obter alimentos.

 No século XVI, a identificação de espécies de animais que pudessem ser caçados e pescados foi, provavelmente, uma das primeiras preocupações de todo e qualquer colonizador que chegasse à América Portuguesa.

Ao propomos analisar o processo expansionista que levou à conquista, ainda no século XVI, de vastos territórios na América pelos europeus, deparamos-nos com uma série de problemas que, inicialmente, parecem ser apenas de ordem prática. Entretanto, ao submetermos as fontes documentais a uma análise mais  detalhada, observamos que o estudo de tais práticas  quotidianas, como o conseguir alimentar-se, em muito pode contribuir para o estudo da Cultura e Economia na América Portuguesa quinhentista.

Construiu-se, numa parcela da historiografia que aborda os primeiros anos da colonização da América Portuguesa, a noção de que o universo tropical seria tal qual um paraíso terrestre (CANTU, 1958, p. 105) sobre o qual, Pero Vaz de Caminha, em nada seria exagerado quando descreveu a prodigiosa profusão de frutas dispostas como presentes da natureza, animais disponíveis em grandes quantidades e a fertilidade quase lendária do solo, o qual seria propício a todas as culturas agrícolas e animais europeus (CANTU, 1985).

Concomitante às interpretações anteriormente citadas, existe ainda aquela que atribui a pouca penetração da colonização, em direção ao interior da Mata Atlântica ou do sertão brasileiro, a uma suposta indolência ou morosidade por parte dos europeus e, principalmente, dos portugueses que, por não serem um povo dado a grandes empreendimentos sistemáticos, ter-se-ia contentado em fixar-se, preguiçosamente, nas faixas de terras costeiras de sua extensa e fértil colônia americana. Deixando, com isso, de aproveitar por completo suas potencialidades (HOLANDA, 2011). 

A prática de se valorizar  a exuberância e diversidade das diferentes formas de vida da região da Mata Atlântica brasileira uma suposta facilidade em se obter, por meio de pouco trabalho, baixo gasto energético e curto tempo despendido, os alimentos e matérias primas essenciais à sobrevivência (MACEDO, 1973), foi um mito difundido ao longo de anos.

De fato, à primeira vista, a Mata Atlântica parece ser exuberante e abundante em frutas e animais, e poderia ter proporcionado fartura aos colonizadores. Porém, a floresta atlântica em nada, além do visual, se parecia com o paraíso inicialmente descrito (CASTRO, 1985). Tão pouco a natureza se apresentou, aos europeus, provedora e acalentadora (FREYRE, 1998). O que ocorreu, de fato, foi que a própria floresta constituiu-se como um desafio de grandes proporções. A América tropical apresentou-se, a partir da junção de vários elementos, num complexo biogeográfico no qual os colonizadores, seu modo de vida, a preservação de seus costumes e sua própria sobrevivência, encontraram um importante obstáculo natural (CROSBY, 1993). Não podemos esquecer que encontrar e capturar um animal na densa Mata Atlântica não era tarefa fácil, e a aplicação das técnicas de plantio, caça e pesca,  então usadas pelos portugueses, não se aplicava, em muitos casos, à nova realidade geográfica e climática.

Neste contexto, passou a ser primordial o desenvolvimento de novas estratégias e técnicas que auxiliassem os colonizadores na sua tentativa de estabelecimento. Um dos meios encontrados pelos portugueses foi  a observação  das técnicas utilizadas, pelo indígena, para obter alimentos de forma rápida e segura, assim como das técnicas utilizadas por eles para a conservação dos mesmos.

É notório o fato de os indígenas se estabelecerem, de maneira criteriosa, nas áreas nas quais fosse menos problemática a obtenção de grandes fontes de gordura e proteínas. Tais fontes encontravam-se, no período de estabelecimento dos primeiros europeus no continente americano, principalmente, nas áreas próximas a manguess, costões, restingas, deltas, lagoas e estuários.

As tribos fixadas nas faixas litorâneas desenvolveram eficientes procedimentos para a obtenção de alimentos no ambiente marinho. O próprio Gabriel Soares observou técnicas indígenas de pesca, e ponderou que, além da utilização de varas e redes, os americanos nativos ainda incrementavam a forma como conseguiam recolher os alimentos no ecossistema marinho, fluvial, dos manguezais e dos estuários (SOUSA, 1971, p. 254-234).

A preocupação dos colonizadores em relação às técnicas de pesca não era sem fundamento. Contando com grande profusão de vida marinha e aves, muitas delas aquáticas, as áreas litorâneas foram locais estratégicos onde era possível obter-se a ração diária de proteína necessária à sobrevivência no Novo Mundo. Sanadas as necessidades nutricionais imediatas, os colonizadores poderiam dispor de tempo para que pudessem desenvolver outras atividades que melhorassem as suas condições de subsistência, aumentando a chance de obterem sucesso na empreitada de colonizar a terra recém-descoberta (DEAN, 2010).

De fato, por toda a América, e não somente nos domínios tropicais, e tão pouco apenas durante o século XVI, colonizadores de todas as nacionalidades, vivendo em domínios morfoclimáticos dos mais variados, procuraram aproveitar-se da relativa fartura de proteínas e gorduras resultantes das condições ecológicas propícias à concentração de grandes comunidades de animais nas áreas litorâneas.

Problemas em relação aos aspectos climáticos e biogeográficos eram, com frequência, apresentados, podendo ser considerados pela historiografia contemporânea como variantes no estudo do estabelecimento inicial dos colonizadores no litoral. Quando analisamos a colonização empreendida pelos europeus ibéricos no Novo Mundo, é relevante ponderarmos as dificuldades em obter alimento, bem como a adaptação dos animais e plantas trazidos da Europa.

Afinal, ao descrever ouriços do mar que eram como os de Portugal ou cnidários como os da Espanha, o colonizador, em certa medida, procurou reconstruir o universo filosófico natural que o circundava no outro lado do Atlântico. Prova de que a plasticidade poderia estar na boca que consumia a fauna local, mas não no olhar que a apreendia.


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Notes:


1 A Filosofia Natural era o estudo racional da natureza. Isso significa a natureza do ponto de vista de sua especificidade substancial e de suas propriedades, usando o pensamento meramente raciocinativo. Na condição de estudo da natureza, ocupa-se a Filosofia Natural amplamente dos corpos e da vida. Ressalta, assim, haver um conhecimento racional da natureza, conhecimento que, em tal situação, tem o caráter de filosófico (SANTOS, 2001).

2 Gorduras e proteínas sãos os nomes genéricos dados a diversas substâncias de extrema importância do ponto de vista nutricional. As gorduras são fundamentais no processo de absorção de outros nutrientes como as vitaminas lipossolúveis. São também a principal fonte dietética de ácidos graxos, que são componentes fundamentais para a nutrição animal. Já as proteínas estão entre os grupos de nutrientes mais importantes, visto que podem desempenhar diversos papéis, desde a regulação hormonal até a restauração dos tecidos musculares e das células do cérebro (TALBOTT; HUGHES, 2008).

3 Yi-Fu Tuan em “Topofilia” demonstra como se dá a relação do homem com o ambiente onde vive. Tuan constrói, deste modo, uma rede de explicações sobre as preferências ambientais das pessoas e como podemos identificar tais preferências quando analisamos os processos de fixação de comunidades humanas (1980).

4 Podemos elencar aqui alguns deste colonizadores que deixaram expressos em tratados, cartas e crónicas suas impressões acerca da fauna e flora do Novo Mundo: Azpilcueta Navarro (1988), Gabriel Soares de Sousa (1961), André Thevet (1978), Hans Staden (1999), Jean de Léry (1961), Pero de Magalhães Gandavo (1963), Garcia da Orta (1895), José de Anchieta (1988), Fernão Cardim (1980).

5 De fato, o hábito de consumir carne de baiacu não ficou restrito aos colonizadores do século XVI. Ainda hoje sabemos que boa parcela da população japonesa, por exemplo, tem nesta espécie de peixe um considerável apresso. O problema é que nem sempre os gourmets especializados em preparar pratos com baiacu, conseguem evitar acidentes. Existem vários relatos, de mortes ou intoxicação por ingestão de carne de baiacu, principalmente aquela ingerida ainda crua (LOHR, 1981; BUERK, 2012).

6 “A vitamina C, também conhecida como ácido ascórbico, é uma vitamina hidrossolúvel que é essencial a centenas de reações metabólicas vitais no corpo humano. O escorbuto, doença provocada pela deficiência de vitamina C, é evitada pelo consumo adequado de ácido ascórbico (ascórbico significa literalmente “sem escorbuto”). Como suplemento dietético, a vitamina C é mais consumida do que qualquer outra vitamina, mineral ou erva medicinal. As boas fontes de vitamina C incluem todas as frutas cítricas (laranja, grapefruit, limão), assim como muitos vegetais e frutas, como morangos, tomates, brócolos, couve-de-bruxelas, pimentas e melão cantalupo” (TALBOTT; HUGHES, 2008, p. 253).

7 Charles R. Boxer em “O império marítimo português” (2002) relata que: “Não dispomos de dados completos sobre o número de navios portugueses nesse período, mas segundo dois contemporâneos bem informados, Garcia de Resende e Damião de Góis, Portugal não possuía mais que trezentos navios oceânicos no auge de seu poder marítimo, aproximadamente em 1536”.

8 Nativos do Novo Mundo e rapidamente disseminados  noutros continentes, os pimentos, “com uma concentração seis vezes maior de vitamina C que uma laranja, quase sempre chamados equivocadamente de pimentas, tiveram um papel capital ao longo do período das grandes navegações, nos séculos XV e XVI. Ricos em vitaminas A, B1, B2 e E, eles tinham propriedades anti-inflamatórias, analgésicas, antibacterianas e energéticas [...] O escorbuto foi o segundo maior causador de óbitos durante o período das grandes navegações, perdendo apenas para os naufrágios.  Este, manifestava porque era difícil renovar os suprimentos alimentares durante as viagens. Os marinheiros já sabiam que o consumo de laranjas e limões tinha efeitos fitoterápicos contra este mal. No entanto, esses frutos cítricos originários do Sudeste da Ásia nem sempre estavam à mão. Mesmo quando eram encontrados em locais como a Costa da Gâmbia, na África Ocidental, eles eram muito perecíveis e ainda competiam por espaço com as valiosas especiarias nos porões das naus. Nesse momento, os pimentos americanos acabaram por servir como uma excelente alternativa, já que tinham a vantagem de não apodrecer, e sim se desidratar. Isso permitia-lhes reter boa parte de suas propriedades químicas, vantagem que os frutos cítricos não tinham" (SANTOS; BRACHT, 2011).

* Douteranda em História pela Universidade do Porto/Portugal, com bolsa do Programa de Doutorado Pleno no Exterior de CAPES, http://www.dhi.uem.br/lhc/

** Douterando em História pela Universidade do Porto/Portugal, com bolsa do Programa de Doutorado Pleno no Exterior de CAPES, http://www.dhi.uem.br/lhc/


Last updated August 20, 2013